As eleições municipais de 2024 trouxeram um fenômeno inédito: a maior taxa de reeleição da história, com 81% dos prefeitos que buscaram um novo mandato garantindo sua permanência no cargo. Esse cenário revela algo interessante sobre o funcionamento da política local no Brasil e como os prefeitos se consolidaram como “Golias”, gigantes armados com recursos, estrutura e, mais recentemente, com estratégias digitais que ampliaram sua influência. Mas será que os candidatos de oposição tiveram a chance de ser “Davi”, inteligentes e inovadores o suficiente para enfrentar esse desafio?
Na famosa narrativa bíblica, Davi, um jovem pastor, derrotou o gigante Golias ao recusar a pesada armadura de Saul, optando por usar suas habilidades de artilheiro com uma funda, uma arma leve e ágil que lhe deu vantagem contra um adversário muito maior e mais forte. Se Davi tivesse tentado lutar com as mesmas ferramentas de Golias, provavelmente teria sido derrotado. E o que vemos na política de 2024 é que muitos candidatos de oposição não conseguiram escapar dessa armadilha: ao tentarem enfrentar prefeitos incumbentes utilizando as mesmas táticas tradicionais, falharam em derrotar esses gigantes políticos.
O “boom” das redes sociais e o prefeito digital
Um dos fatores mais marcantes das reeleições recordes foi o uso das redes sociais como ferramenta de aproximação com o eleitorado. Prefeitos que, até então, mantinham uma relação distante com as novas tecnologias mergulharam de cabeça na era digital. Nascem, assim, os “prefeitos tiktokers”, políticos que aprenderam a se comunicar diretamente com o público jovem e conectado, usando plataformas como TikTok, Instagram e Facebook para humanizar sua imagem e alcançar um número maior de eleitores.
Exemplos não faltam: Allyson Bezerra, em Mossoró, e João Campos, em Recife, são dois casos notáveis de prefeitos que aproveitaram o “boom” digital para consolidar sua popularidade. Ao postar vídeos cotidianos, participar de desafios de redes sociais e mostrar um lado mais acessível e próximo da vida do eleitor, esses prefeitos conseguiram criar uma conexão mais profunda com suas bases. Para um candidato de oposição, competir nesse ambiente se tornou ainda mais difícil, já que a estrutura digital criada pelos prefeitos em reeleição reforçou o vínculo entre política e entretenimento, algo que muitos novos candidatos não estavam preparados para explorar.
A máquina pública: Golias armado até os dentes
Outro fator que contribuiu para a grande vantagem dos candidatos à reeleição foi o contexto pós-pandêmico. Durante esse período, houve uma massiva transferência de recursos públicos para as prefeituras, fortalecendo as administrações locais. As máquinas públicas municipais ficaram inchadas, permitindo que prefeitos pudessem não apenas realizar obras e projetos visíveis durante seus mandatos, mas também consolidar uma rede de apoio dentro das comunidades por meio de programas assistenciais e infraestrutura.
Esse reforço da máquina pública, combinado com a alta exposição nas redes sociais, transformou os prefeitos candidatos à reeleição em verdadeiros Golias, armados não só com os recursos do Estado, mas também com uma imagem pública robusta. Muitos deles puderam usar esse momento de bonança financeira para intensificar suas campanhas e aumentar sua visibilidade, enquanto os candidatos de oposição ficaram limitados por recursos e falta de exposição equivalente.
Oposição: ser Davi ou sucumbir?
Se Golias entrou nas eleições municipais de 2024 com a armadura estatal e aproveitando-se da mídia digital, qual seria a alternativa para a oposição? Em tese, os candidatos que quisessem desbancar prefeitos em reeleição precisariam agir de forma inteligente, à la Davi, buscando estratégias inovadoras, leves e rápidas, que pudessem competir com os gigantes de maneira assimétrica.
Contudo, na prática, a maioria dos candidatos de oposição adotou táticas convencionais, muitas vezes copiando as ferramentas tradicionais de campanha sem criar uma conexão real com o eleitorado. Somar recursos a fim de ultrapassar o investimento de um candidato à reeleição, na velha prática de “quem gasta mais vence”, talvez tenha sido uma tática repetidamente fracassada pelas oposições. Afinal, se um candidato de oposição tem X reais para gastar, pode esperar que a máquina pública conseguirá gastar 2 vezes X.
Ser Davi, nesse contexto, significaria não apenas adotar novas estratégias, mas também inovar na forma de fazer política. Envolver as comunidades de maneira autêntica, acompanhar e fiscalizar a gestão, trazendo sempre os problemas e soluções, cumprindo um papel de oposição democrática e atuante, sem parecer o candidato que só aparece de quatro em quatro anos. A armadura de Saul — os métodos tradicionais de campanha — não serviu para Davi e, certamente, não servirá para novos candidatos enfrentarem os Golias políticos de 2024.
O que esperar para o futuro?
O recorde de reeleições em 2024 mostra que, para derrotar um gigante, os candidatos de oposição precisarão adotar estratégias completamente diferentes. Assim como Davi, que usou sua funda ao invés de uma espada, os políticos que desejam mudar o cenário local precisarão encontrar suas próprias “fundas” — estratégias inovadoras, adaptáveis e de impacto.
O caminho para a renovação política existe, mas exige coragem para abandonar as velhas fórmulas e buscar alternativas criativas. Só assim será possível vencer Golias sem recorrer à pesada e ineficaz armadura de Saul.